terça-feira, 26 de julho de 2011

isso não é amor menina



Apesar da gente nunca ter
namorado ou casado ou feito planos, hoje completamos oito anos juntos. Se nosso
primeiro encontro não tivesse se dado numa data tão conhecida, jamais
saberíamos. Nunca contamos o tempo ou demos nomes aos nossos sentimentos de
compromisso. Simplesmente tudo se desenrolou sem drama ou pedido ou
conjecturações ou vingança. Foi e foi e foi. Aquilo que dizem sobre o que é pra
ser. Simplesmente fomos e continuamos sendo.
Quem diria que um dia eu seria
tão feliz a ponto de não contar ou reduzir sensações a palavras? Mas é isso, sou
feliz com você. Sem esforço e mesmo sendo, muitas vezes, bem infeliz. Sou feliz.
Não faz muito tempo nos mudamos pra essa casa maior. A cama gigante que
sempre cabe mais gente quando a noite dá medo no vizinho de quarto. O jardim, o
quartinho dos brinquedos e livros, a janela do lavabo que tem a melhor vista da
casa. As figurinhas coladas perto do rodapé parecendo um cineminha de forminhas,
os coquinhos destruídos na garagem, a casinha termômetro que você me deu porque
eu disse que lembrava meu avô.
Daqui, deitada nesse ângulo quase indecente,
vejo você, safado, acender seu cigarro de domingo e me olhar sabendo que,
inexplicavelmente, justo eu, te aceito seja lá como for. Você, idem. Não fomos
fáceis a nada e nem a ninguém, mas cá estamos. Sem a comemoração deslumbrada e
terrivelmente curta do amor e por isso mesmo podendo celebrar o pouco cabível de
cada instante.
E por isso mesmo, vai ver, amando. Sabemos tanto que é amor
que nem parece aquele coisa que dizem: amor. A-m-o-r. Ah, deve ser. Mas não o
que um dia quisemos tanto e por isso mesmo afastamos, mas o que podemos e por
isso mesmo nos soa tão possível. Sei que parece óbvio, mas só agora.
E eu
continuo nessa pose quase indecente, retardando a vontade do xixi e do banho,
olhando você e querendo apenas um presente pra comemorar nossos oito anos
juntos. Olhando seu ombro que eu curto tanto desde o primeiro segundo. Seu pé
direito retesado e tão diferente do esquerdo sempre relaxadão. A sua mania de
entregar um pouco mais de "cofrinho" do que permitido, quando concentrado e um
pouco curvado.
Vai começar a chover e eu posso chorar. Hoje completamos oito
anos juntos e eu só queria um presente. Voltar no tempo, me encontrar e
chacoalhar meu corpo. Aquela época em que eu já estava quase cínica mas ainda
acreditava em um relacionamento com todas as forças do mundo. Porque quanto mais
cinismo e cansaço, mais força fazemos e mais forte parece. Eu queria me
chacoalhar e dizer que ele existe, sim, o tal do amor, mas você, querida, não
sabe ainda nada disso. Isso que você acha que é amor, menina, não passa nem
perto.
Eu me faria uma visita naquele apartamentinho pequeno e cheio de
tentativas de charme e maturidade. E diria pra mim o que ninguém, sabe-se lá
porquê, foi capaz de me dizer numa época tão necessária e quase triste. Época de
tentar de tudo pra chegar perto do que, um dia, simplesmente acontece mesmo a
gente achando que só funciona para os disciplinados na cultura da imbecilidade.
Esse povo estranho que divide armário e sorriso de foto.
Eu diria: menina,
amar a dúvida, o silêncio, a ingratidão, o fim, o atraso, a invenção, a lacuna,
o pode ser, as hipóteses, a não resposta, a raiva, o absurdo, o não, a
impossibilidade, o depois que foi, o antes de chegar, o difícil, o pode não,
amar essas coisas, menina, é amar o mistério e não um homem.
Amar um homem
não é o telefone que não toca, é o telefone que toca e ele tá daquele jeito que
te irrita justamente porque está irritado com você e você desliga logo e ele
liga de novo e vocês morrem de rir. Ah, e aí vai dando certo. Foi e foi e foi e
cá estamos. Você apaga o cigarro de domingo, a luz e some. Eu escrevo esse texto
na mente, tomo banho e me chacoalho. Daqui a pouco a gente, sem se dar conta de
plurais e segredos, se encontra no corredor e decide o que faz do resto do
dia.

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