terça-feira, 15 de outubro de 2013

O que torna uma pessoa especial, dentre milhões de outras

A bossa nova tocando no rádio naquela manhã me lembrou do calor no peito que eu sentia toda vez que encontrava certo namoradinho de adolescência que eu tinha. Não era nem a presença dele em si, e nem as suas feições que não eram as mais atraentes. Era a paz que me invadia por dentro cada vez que ele me olhava nos olhos e perguntava se eu tinha dormido bem à noite. Ele era o rei dos pequenos requintes de delicadeza, como o bombom em cima do caderno de matemática, a mensagem desejando boa prova e, claro, o olhar, aquele cativo e carinhoso de todo dia que fazia meu coração ceder. Não eram os gestos em si, era a forma como aquilo tudo enchia meu copo até a borda de tudo que eu precisava naquele momento, a paz ou a tormenta. Nosso namoro não durou muito, mas deste dia em diante, passei a abraçar na minha vida pessoas assim, capazes de construir sorrisos sinceros na alma da gente. Pessoas bem especiais, basicamente encantadoras.Pessoas que nos fazem sentir especiais.
Descobri que o tal “borogodó”, indispensável em qualquer relacionamento que se preze, está fundamentado no encanto. Não é no rostinho de boneca, no presente de natal caríssimo, muito menos no abdômen sarado. Encanto mesmo vem de dentro. Gente que faz nosso coração gargalhar, que abraça quentinho colando o rosto, prepara o chá no fim de semana de gripe, que ri de si mesmo, cumprimenta o porteiro, que respeita o momento, o tempo, o vento. Gente que muitas vezes não sabe por qual bifurcação do caminho você veio, que tipo de bagagem você vem trazendo, mas tem certeza de que dedicação e respeito fazem parte do alicerce de qualquer relação, seja ela amorosa ou não. Gente que te basta.
Não sei dizer se o mundo anda carente de pessoas desse tipo ou se falta leveza para se permitir encantar. Existem hoje aproximadamente 7 bilhões de pessoas no mundo, e ainda assim minha vizinha não encontra uma companhia bacana para partilhar seu passeio no parque aos domingos.Ainda não encontrei alguém especial, ela diz suspirando. Sua ânsia encontra uma variedade de suspiros similares ao longo do planeta neste momento, e olhando pra ela, penso como ainda pode existir tanta gente solitária. O mantra do livro de cabeceira diz que quando a gente não sabe o que procura, não sabe reconhecer quando encontra. Será que não sabe mesmo ou estamos vivendo nossos dias com os olhares errados?
É o tal do enxergar com os olhos da face e não da alma. Tocar com a ponta dos dedos em vez de se permitir uma entrega completa, dessas que abraçam o todo e mudam a vida da gente. Porque beleza tem-se aos montes, encaixe de beijo na boca é fácil e se aprende; difícil mesmo é tirar o ar quando se vê. Complicado mesmo é ser apenas você para o outro, sem máscaras, maquiagens, rodeios, salto alto, camisa de marca, vodka na mesa da balada, foto no Facebook ou carro importado e, ainda assim, a sua essência bastar para o bem-estar do parceiro. Estas são as pessoas especiais: aquelas que sabem conceder seu encanto e aquelas que sabem reconhecer essa dádiva. Porque as pessoas especiais sabem pra quem aparecem. Tem que existir a sorte de reciprocidade e merecimento. Tem que saber enxergar além daquilo que a genética e o statussocial te permitem ver. Porque amor é assim, acontece ou não, mas se nosso coração está distraído com os atrativos “errados”, o acaso passa e a gente nem percebe. Este é o segredo daquele casal da faculdade que, aos olhos dos outros, pode parecer tão pouco convencional. Mais que a resposta para os desejos um do outro, eles são calma, aconchego e paz depois de uma semana de trabalho. São parceiros, amantes e amados; são especiais entre si, para si e só.
Sobre o meu namoradinho da adolescência, bom, o amor se foi, ele também, mas aquele sentimento de plenitude que o olhar zeloso dele provocava… Esse não só permaneceu como também se repetiu algumas outras vezes pelo caminho. Porque uma das delícias da vida é ter a oportunidade de esbarrar em várias pessoas especiais ao longo da travessia. Se o campo for florido, os sorrisos sinceros, os abraços apertados e os sentimentos genuínos, cedo ou tarde, um beija-flor pousa por ali e, dentre tantos que se foram, decide ficar. Se for o tempo da migração, nada se perde pra sempre. Pelo contrário, quando a mágica é real, conserva-se naquela porção gostosa do amor que sobrevive após o grosso do sentimento findar. Encanto é isso, a livre aproximação de alguém que tem toda a liberdade de quando bem entender, partir. Melhor ainda, encanto é a morada sem grades do amor, que permite o voo para jardins mais floridos – porém, é muito mais convidativa a doce e livre permanência.

Danielle Daian

Retirado de: Casal Sem Vergonha

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