sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Amar é que é sujo e perigoso

Amor é que é sujo e perverso

A maior pornografia que existe é o amor. O amor acontece quando você não tem nojo de saborear toda a pessoa, sem cerimônias ou limitações

Estou numa festa de gente fina, elegante e sincera. Mentira. Estou numa festa de gente metida a fina, a elegante e a sincera. Visto uma saia mais curta que meu talento para esse tipo de festa. Escolho minha presa e o convido para ir até minha residência. Ele é alto, forte e tem o queixo quadrado. Ele não quer que eu tire o salto alto nem a saia. O resto todo eu posso tirar. Transamos no sofá novo e roxo que comprei. Não lembro se o nome dele é Alan, Aldo, Álamo ou Wally. Não consigo gozar porque estou preocupada demais com os dois segundos em que nos encostamos sem camisinha. Não sei quem é esse cara. Ele não é divertido, ele não tem senso de humor, não é charmoso e acha que contar esse papinho furado sobre ser um “executivo que surfa” é o que faz mulheres darem pra ele. Não existe nada mais clichê em São Paulo do que ser um “firma” metido a “amante do esporte e da natureza”. Pode até funcionar com algumas moças deslumbradas e igualmente ocas, mas o que me fez dar pra esse sujeito, além de tédio existencial, não tem absolutamente nada a ver com o que ele possa vir a pensar ou falar ou fazer. Foram os ombros largos e a bunda seca. Odeio homem com ombros curtos e bunda grande ou empinada, tipo pagodeiro. Gosto de homem com costas longas e bunda magrela. Homem não tem que ter bunda grande, tem que ter carteira cheia.
Ele quer agora transar em pé. Não achamos uma posição, não temos intimidade, não temos nada. Não temos mais nem vontade de transar. O efeito da bebida passou e agora somos dois estranhos tentando disfarçar a angústia profunda de fazer amor sem amor. Nada disso é erótico, sensual. “Ah, peguei um gostoso numa festa e levei pra casa!” Grande coisa. Você perdeu um tempo precioso em que poderia estar curtindo um bom livro no quentinho acolhedor da sua caminha. A única putaria possível, fazemos com quem amamos. A maior pornografia que existe é o amor. Só no amor é possível ficar enlouquecido de tesão com uma mancha estranha nas costas da pessoa, com um pelo solitário que você encontra em algum centímetro de pele escondida, com uma posição que não favorece a barriga, com pés tortos e caretas estranhas. O amor acontece quando você não tem nojo de saborear toda a pessoa sem cerimônias ou limitações. O amor é quando não se pensa no sexo, apenas se faz para não morrer. Amor é sexo não cerebral, um fluxo ignorante que nos liberta completamente. Amar é nunca ter que pedir: “perdão, você pode tomar um banho?” Amar é infinitamente mais sujo, perverso e doentio do que transar com qualquer pessoa suja, perversa e doentia num banheiro de uma balada suja, perversa e doentia. Aquilo que você faz, num lençol branco e limpinho, com a pessoa que você conhece há tantos anos, é muito mais perigoso que uma loucura com um desconhecido qualquer. Essa putaria rolando solta pelas noites afora não passa de desculpa medíocre de gente que sente inveja do amor. O amor é para os verdadeiros aventureiros, corajosos, desbravadores. O sexo selvagem e casual é coisa de menininha.
Tati Bernardi é escritora e roteirista.       ( Revista Alfa, reportagem )

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