sábado, 28 de agosto de 2010

lugares para chorar em são paulo .

De Giovana Madalosso.

Nem só de diversão vive o homem. Chorar também é preciso e, quando feito de maneira adequada, pode se revelar um ato de grande prazer. Se você quer chorar, saiba que São Paulo – cidade de tantas opções – também oferece lugares propícios para essa prática, onde o chorador se sentirá estimulado a verter seu pranto gota a gota, em quantidade suficiente para regar uma planta ou encher um aquário.

Supermercado 24 horas: recomenda-se uma visita durante a madrugada, quando você pode caminhar por corredores vazios, com a luz fria a iluminar a solidão dos notívagos e os olhares de peixe morto. Não é esse um microcosmo do mundo lá fora? Embalagens imploram por atenção, usando de frases de efeito, cores chamativas e outros subterfúgios estéticos para se destacarem entre seus pares, numa luta inglória pelo reconhecimento antes do prazo de validade. É, meu querido consumidor, a carência não poupa homens nem latas. E quando alguém lhe perguntar “tem algum item faltando?”, você poderá dizer “sim, me faltam todos os itens nesta vida!”. E ao perceber que até uma frase do manual da rede é capaz de lhe trazer alento, você estará pronto para chorar aos borbotões, sempre com a vantagem de ter à mão uma caixa de lenços em oferta.

Trânsito: ah, como é bom chorar na privacidade de um automóvel, com o gás carbônico acariciando as narinas e buzinas, sirenes e xingamentos se sobrepondo lá fora. Até parece que todo esse caos foi carinhosamente projetado para a sua dor. Entregue-se, sem pressa. Até porque você tem todo tempo do mundo para debulhar-se, sem ter de sequer engatar a segunda. Para uma experiência completa, repare como, nesse mar de individualismos, nem o seu pranto é capaz de incitar piedade. Ao invés de lhe dar um lenço, os outros motoristas vão lhe dar é uma bela cortada. Se está triste desse jeito, por que não se mata de uma vez? Seria um carro a menos, hão de murmurar entre os dentes, deixando você bem no meio do cruzamento, sob o olhar atento de um guarda que anota a sua placa.

Estátua do Borba Gato: não é comovente o esforço dedicado para erigir tamanha feiura? Pense quantos dias, meses e anos o escultor despendeu nesse trabalho insano, sem se dar conta de que apontava o cinzel na direção errada. Então você poderá chorar por ele e pela natureza humana, tão pródiga em equívocos de tamanha grandeza. Ou até pelo velho Borba, condenado a viver para sempre num paletó de ladrilhos.

Terraço Itália: lugar indicado para quem gosta de chorar com elegância. Peça um uísque, gire o gelo no copo e observe a vista. Você está no topo do mundo e, por alguns segundos, terá a ilusão de estar a salvo. Mas logo irá perceber que não adianta fugir: a sua tristeza é insistente a ponto de subir quarenta e um andares só para sentar-se ao seu lado. E, se a presença dessa companhia ilustre não for o bastante, peça a conta. O preço do drink irá, sem dúvida, levá-lo às lágrimas.

Cancela de Shopping: se tudo que você precisa para desmoronar é uma palavra de carinho, dirija-se ao shopping mais próximo. Pelo preço de uma permanência de duas horas, você vai ouvir alguém agradecendo a sua visita. Sim, alguém reparou que você veio, sabe quantas horas ficou e, pode ter certeza, gostaria que você tivesse ficado muito mais. Tanto que, se você demorar para sair, o braço esguio da anfitriã se fechará sobre o seu carro, e então você terá que voltar, entrar na fila de novo e revalidar seu ticket, agora se sentindo legitimado a chorar ainda mais.

Giovana Madalosso é cronista do Blônicas

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