terça-feira, 29 de junho de 2010

flashback

"Acho que é uma balada meio flashback", ele disse. A tradução para "ele": meu amigo, seis anos mais novo e... meu estagiário.
Eu era a última solteira das minhas amigas e estava sozinha em um casamento com 456 casais cheirando a mofo e sexo mecânico (todos me olhando com aquela carinha de "calma, tia, sua hora vai chegar") e achei que a idéia merecia uma análise. Afinal, a maquiagem tinha custado cara demais para eu ir dormir antes de borrá-la.
Flashback não tinha descido direito pela goela. Mas, pensando bem, não era uma pena terminar a noite com um vestido tão caro e nenhum amassadinho nele? Resolvi arriscar.
Assim que cheguei na porta da balada, dei aquele tapa de desenho animado na testa: que que eu tô fazendo aqui? Era justamente um daqueles lugares que dedico uma vida a maldizer: garotos bombados, garotas iguais, música ruim, gente perdida que circula sem parar e/ou dança em círculos.
Já estava dando seta no carro para desintegrar o mais rápido possível dali quando ele ligou: "Nem precisa pegar fila, meus amigos MANDAM aqui".
Medo. Essa coisa de ter amigo que "manda" na balada não combina muito comigo, mas eu já estava lá mesmo, não estava? Ainda era cedo pra dormir, mas já era muito tarde para tentar arrumar outra coisa pra fazer. Continuei em frente.
A visão de dentro era um pouco mais infernal que a de fora. Não havia sequer um centímetro de metro quadrado que não fosse ocupado por alguma acéfala de tomara-que-caia ou algum feromônio macho de regata Diesel. Foi quando avistei meu amigo e seus amigos no bar. Não custava nada, já que os amigos do meu amigo MANDAVAM na balada, ir até lá para agradecer o convite, ficar mais alguns segundos e depois retornar ao maravilhoso universo da minha casa vazia e silenciosa. Será que eu era uma velha?
"Esse aqui é o Pedro, esse o Thiago, esse o Rafa, esse o Denis, esse o Paulão e esse aqui é o Cesinha."
Agora vamos tradução: esse aqui é o lindo, esse o de olhos azuis, esse o corpo perfeito, esse o que tem cara de bom de cama, esse o de ombro largo e esse aqui o de boca carnuda.
Considerando que meu amigo (tá, meu estagiário, seis anos mais novo do que eu...) é um gato e tinha mais seis amigos gatos, pensei que, quem sabe, já que era tarde demais para ir a outro lugar e já que eu já estava lá mesmo, sei lá, de repente, talvez não fosse uma boa ficar mais uma meia hora por ali mesmo. Por que não? Como diria um amigo meu: tudo vale como pesquisa antropológica.
Nas picapes o hit era algum poperô revisitado (lembrem-se de que se trata de uma balada flashback, ok?), na minha frente um grupinho de melhores amigas que se odeiam brincavam de chicotear com o cabelo de formol quem atrapalhasse suas danças. É, acho que tá na minha hora. Deu. Fui. Até.
Mas no minuto em que planejo uma boa desculpa para a despedida, meu amigo resolve falar comigo se apoiando carinhosamente na minha cintura. Sua voz no meu ouvido e a visão paradisíaca dos seus amigos caçando em bando (uga buga, uga buga, imagino eles com o tacape na mão) me faz criar forças suficientes para me manter paralisada.
Bebidas coloridas e fumaças doces depois lá estava eu me acabando de dançar no meio da pista. Aquele poperô não era de todo mal, sabia? Me lembrava um tempo não muito distante (dez anos atrás?) em que eu era menos crítica e mais feliz. As melhores amigas que se odeiam até que tinham seu charme. A pista ultramastermega lotada também tinha sua utilidade: eu estava praticamente no colo do meu amigo, tamanha era a falta de espaço.
lgo me dizia que eu estava feliz. Será que eu estava feliz? Era possível ser feliz em um lugar tão idiota com pessoas idiotas? Sim, era possível. Era possível porque eu também era uma idiota. E, quer saber? Realmente só os idiotas são felizes.
Foi aí que meu amigo (e as três e quarenta e sete da manhã a palavra "meu estagiário" faz tanto sentido para uma mulher na seca quanto a frase "é problema na correia dentada") resolveu que nossa amizade jamais seria afetada por um beijo. Que mal há em um beijo? Um simples beijo? Um beijinho de nada? Inofensivo. Algo mais ou menos como um desentupidor de pia com mais de cinco horas de duração. Que mal há em um beijo assim? Dado na escada, no cantinho atrás do bar, no banheiro, no chão, embaixo das mesas, deitados no sofá? Que mal há nele enfiar a mão dentro do meu vestido para sentir a renda do meu novo sutiã? Ou de querer conferir a elasticidade da minha calcinha? Nenhum. Oras, ele não é meu amigo? Amigo é pra essas coisas. Oras.
Eu tinha esquecido que os jovens beijam. Eu, com essa minha mania de gostar de tiozão (que preferem ir direto ao assunto, logo depois do foie gras), havia me esquecido de que os jovens beijam. E como beijam. O dia amanhecia enquanto minha boca ia ficando do tamanho do sol.
Adoro. Adoro poperô. Adoro os anos 90. Adoro essa galera. Adoro essa galera que MANDA na balada. Que bom que eu era a última solteira das minhas amigas. De todas as dúvidas existenciais que carrego em meu ser, só restavam três: eu não conseguia decidir se eu tinha 16, 17 ou 18 anos. Acabei escolhendo 17, aquela fase sensacional em que nada é sua culpa, mas já dá pra entrar na balada sem mostrar a identidade pro armário.
No final da noite eu já não tinha mais nenhuma maquiagem no rosto (em compensação ele parecia o Bozo) e meu vestido era uma massa amorfa. Era hora de voltar para casa. Sozinha, é claro. Afinal: meninas de 17 anos jamais fazem sexo sem amor. Ou pelo menos não faziam na minha época.



tati bernardi

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