domingo, 13 de junho de 2010

não brinque comigo

Tudo foi brincadeira, tudo que falamos, tudo que imaginamos, tudo que falamos se não fosse uma brincadeira.
Quando eu disse que podia, quando eu disse que queria, quando eu disse o que sentia por você.
Foram brincadeiras seus braços estendidos como se fossem fechar em mim, minha doação de pernas pela sua linguagem, quando avisei que os pássaros morreram no mesmo dia nas gaiolas da janela e que o silêncio era agora insuportável, porque o silêncio lembrava o que ele substituiu.
Tudo foi brincadeira, um homem aceita que é brincadeira, mente que é brincadeira, porque a mulher perguntou se ele estava falando sério, a mulher desacreditou dele no exato momento em que ele mais acreditava, no momento em que ele treinava o sopro, no momento em que ele iria expor que a amava, no momento em que ele reaprendia a confiar. Antes de levar o fora, o homem dá o fora em si.
Tudo foi brincadeira, o homem vai esclarecer, o homem vai se arrepender, o homem vai disfarçar para se proteger, para não se diminuir, fechará a mão com o alpiste dentro, com a carta latejando dentro e ninguém mais decifrará a sua letra. Fracassará mais uma vez em sua esperança. Ficará mais uma vez com sua reputação.
Ele aceitará o riso a contragosto, voltará atrás como quem foi flagrado roubando a mãe.
Ele dirá: ainda bem.`
Ele dirá: não tinha como ser verdade.
Ela vai confessar que levou um susto.
Ele pedirá desculpa pelo mal-entendido.
Ela vai suspirar de alívio com o engano.
Ele vai fingir que não pensava diferente.
Ela vai afirmar que só o enxerga como amigo.
Isso vai doer nele, vai doer nele não ser homem para ela e tentará não mostrar que está sangrando. Seguirá caminhando com a cabeça erguida até o fim da cicatriz, até que o joelho de sua boca canse de sangrar o mesmo sangue.
Tudo foi brincadeira porque ela zombou da possibilidade do amor e ele se acovardou e calçou novamente os sapatos e se viu nu enquanto ela ia e recolheu os cabelos que cresciam de seus cílios.
Tudo foi brincadeira, o pescoço de hortelã, as infâncias sentadas no portão de ferro controlando a cor dos carros, a fome esquecida para ficar mais tempo juntos.
Tudo foi brincadeira, a cumplicidade, a intimidade. O período em que fiavam seus segredos, que se confessaram como nunca antes, que se abriram como amantes.
Tudo foi brincadeira, tudo será sempre uma brincadeira sádica, uma brincadeira cruel, quando apenas um dos dois estiver amando.



fernando carpinejar

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